- 2014/05/12

A Medida da Felicidade

Minha afinidade com o Butão vai além dos quase seis meses vividos no país entre 2011 e 2012. Me motivou desde o princípio sua filosofia de desenvolvimento onde o governo visa prover as condições necessárias para que os cidadãos busquem sua felicidade. Fruto dessa filosofia, o índice da Felicidade Interna Bruta (FIB) contempla os aspectos psicológico, cultural, material e espiritual do desenvolvimento. Do período de trabalho na Comissão da Felicidade Interna Bruta do Governo Real do Butão resultou uma dissertação de Mestrado e uma revigorante visão de mundo.


Conta a história que a FIB surgiu oficialmente a partir de uma entrevista ao quarto Rei, Jigme Singye Wangchuck, nos anos 70. Questionado sobre a situação do Butão em relação ao seu PIB, o monarca respondeu que o FIB da sua população era mais importante. O mesmo rei, anos mais tarde, declarou a monarquia constitucional no país, abdicou do trono em prol de seu filho e fez da FIB política de Estado. Vejo a importância da FIB neste contexto do seu surgimento: um líder declara a democracia em seu país e institucionaliza a Felicidade Interna Bruta como ideologia de desenvolvimento (questionando o PIB, medida fundamental da arquitetura do cenário internacional até então), e cria os alicerces para colocar o projeto em prática.

O Butão não é perfeito. Muito está ocorrendo simultaneamente no país: a população em contato com os produtos da globalização, as primeiras eleições democráticas, a Constituição, a descentralização, as ondas migratórias internas, a urbanização, a abertura para o mundo, e muito mais. Processos novos para o povo Butanês, que até pouco dependia exclusivamente da agricultura para sobrevivência (no momento 62% da população depende da agricultura). Entretanto, apesar de seu território ser relativamente pequeno, sua Geografia e Ecologia são colossais. Lá o mundo da industrialização ainda não abateu os sistemas locais, e mesmo a vida no alto das montanhas sendo muito dura as pessoas não se consideram pobres e necessitadas, há uma sustentabilidade natural.


Foi por conta do que vi nos Himalayas e particularmente no Butão que minha crítica do desenvolvimento guiado por princípios materiais tomou corpo. O que nos faz melhores, mais saudáveis, mais conectados com nossa trajetória de vida e com todos que caminham conosco não pode ser (e se tem mostrado não ser) a medida do que carregamos nos bolsos. Eles não são assim tão grandes e nossa capacidade de carregar sós, convenhamos, é muito limitada. O desenvolvimento como meta de progresso humano tem um discurso que comporta as diferentes forças vetores da humanidade. O Butão e a FIB, nesse contexto, são agentes de valores essenciais, na sua maioria de validade universal.

2 comentários:

  1. Kalinka,

    Que maravilha ver o tema da felicidade ser tratado de forma tão séria e profunda. A experiência do Butão, ainda que não seja perfeita, já é um estímulo inestimável ao nosso inconsciente coletivo mundial tão necessitado do cultivo de valores mais profundos da existência humana.

    André (Sadasivananda Saraswati))

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  2. Sadasivananda,
    Obrigada pelo teu comentário, sensibilidade e incentivo.
    Será uma alegria recebê-lo por aqui mais vezes.
    Kalinca

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